v. 75 n. 02 (2021): FRANCISCO, PROFETA DA ESPERANÇA
Prezado (a) leitor (a)
Paz e Bem!
De todas as virtudes de que podemos lançar mão para levar em frente nossa dura e, por vezes perigosa existência, talvez a mais urgente nesses tempos sombrios seja a Esperança. Saindo aos poucos desta terrível experiência de aflição, angústia e morte, que levou toda a humanidade à beira do colapso, algumas luzes se acendem no fim do túnel. Apesar de todo o negacionismo que ainda persiste, cientistas e pesquisadores estão conseguindo respostas cada vez mais eficazes para debelar o vírus da COVID-19. No Brasil, graças ao Sistema Único de Saúde, as vacinas foram sendo distribuídas, de modo que podemos, aos poucos, sonhar com uma vida que devagar volta ao seu “normal”.
Como sempre se ouviu nestes tempos “pandêmicos”, vamos ter que nos adaptar a um “novo normal”. Certamente essa nova etapa de vida na qual toda a humanidade está entrando, vai exigir muita resiliência, cuidado, solidariedade, respeito, cortesia, tolerância. Será que estamos
preparados para uma vivência tão humana? Se, como afirmavam alguns antes da Pandemia, estávamos vivendo numa “crise do humano”, certamente esta crise se acelerou e se acentuou. A Pandemia escancarou uma série de situações que contribuíram para agravar o sofrimento
de tantas pessoas: a injusta distribuição de renda, gerando pobreza, miséria, abandono; os interesses escusos e mesquinhos, de pessoas e organizações que se aproveitaram da dor, do sofrimento e até da morte de tantos para enriquecer. Testemunhamos o melhor e o pior do ser
humano. Seja como for, é certo que a vida não vai continuar no mesmo ritmo de antes, como se nada tivesse acontecido.
O período pós-Pandemia também já se desenha difícil. Muitos perderam suas referências familiares. Outros tantos perderam seus empregos, foram incapacitados de pagar suas contas, de manter seu meio de sobrevivência, impossibilitados de continuar seus estudos. O futuro, para muitos, é de insegurança e incertezas.
Como todos os demais setores da sociedade, a Igreja também se viu obrigada a buscar meios para continuar exercendo de modo satisfatório a sua missão de anunciar, de suscitar esperança e alimentar a fé. Passadas as improvisações e arranjos apressados de muitas paróquias nas missas e celebrações online e via youtube, agora se espera que aos poucos os fiéis retornem às celebrações presenciais. Vieram à tona, no entanto, questionamentos que vão muito além da participação, virtual ou presencial, nas celebrações. A teologia, a espiritualidade, a evangelização, as pastorais, foram seriamente questionadas nestes tempos difíceis. Qual o papel da Igreja enquanto sinal do Reino de Deus neste mundo, quando tudo parece perder o sentido, quando a vida, em todo o mundo, é seriamente ameaçada? Como os pastores podem fazer-se presentes na vida das pessoas, sendo instrumentos de esperança, de anúncio de boa-nova, de misericórdia? Como a Igreja pode contribuir para que, em todos os setores, haja mais humanidade, justiça, tolerância, respeito, igualdade? Como contribuir para que as pessoas, em especial as mais frágeis, encontrem um alento e um sentido para a própria existência? Qual o papel da comunidade cristã frente à grave crise ambiental? São apenas alguns questionamentos urgentes, aos quais a Igreja, através de seus ministros, teólogos e todo o povo cristão não podem deixar de dar respostas coerentes.
Diante de toda essa situação, o Papa Francisco tem sido uma voz profética, clamando a humanidade a assumir novos rumos, a novas formas de se organizar, a partir daquilo que nos é próprio: sermos, de fato, “humanos”. Já antes da eclosão da COVID-19 o Bispo de Roma aparecia como uma das vozes mais autorizadas na sociedade, a apontar caminhos, a iluminar as mentes e os corações na busca de saídas e possibilidades diante dos sérios problemas que enfrentamos nestas primeiras décadas do século XXI.
A Pandemia veio reforçar essa liderança. Como verdadeiro arauto da esperança, no gesto realizado na Praça de São Pedro, naquela tarde chuvosa do mês de março de 2020, caminhando lentamente, quase trôpego, solitário, em direção ao Cristo crucificado, indicou-nos um paradigma da realidade que estamos vivendo. Nos tempos de trevas, diante das tempestades que ameaçam nos fazer sucumbir, há de se buscar a força, a inspiração e a esperança naquele que enfrentou e venceu a morte e ressurgiu para a Vida, para que todos tivessem a Vida. O gesto silencioso, mas ao mesmo tempo profundamente eloquente, fez-nos e continua a fazer-nos pensar sobre nossas opções fundamentais, enquanto seres humanos e enquanto cristãos.
Os desafios e os conflitos humanos foram profundamente acentuados durante a Pandemia. Mas vivemos de esperança. Sem esperança a vida não tem sentido. É em nome da esperança que fazemos projetos, que alimentamos sonhos. Os passos ousados que damos em direção ao desconhecido só são possíveis se movidos a partir da dinâmica da esperança. A Pandemia despertou, nas pessoas de boa vontade, o desejo de construir um mundo diferente. Não à toa, numa entrevista sobre os primeiros lugares que as pessoas pretendem voltar a frequentar após toda essa tragédia, as igrejas foram os mais citados. Há uma sede de espiritualidade, há uma busca de respostas, há um anseio de sentido, que o bem-estar material, a lógica do lucro e do prazer, não satisfazem.
No âmbito intraeclesial, o papa tem se esforçado por reformar uma Igreja que precisa responder aos prementes apelos do século XXI. Juventude, família, o “vírus” do clericalismo, sinodalidade, são expressões cada vez mais comuns em seu magistério. No âmbito extraeclesial, as questões ligadas à criação, à economia justa e solidária, à pobreza, à paz e ao diálogo, são apenas alguns temas que revelam um líder atento e preocupado com as grandes questões que dizem respeito a toda a humanidade. Seus documentos e pronunciamentos são um bálsamo em meio às incertezas, à intolerância e à indiferença que imperam em nosso dia a dia.
Nesta edição da Revista Grande Sinal, trazemos algumas reflexões alicerçadas nos pronunciamentos do Papa Francisco, que podem nos indicar vias e possibilidades para uma retomada sadia nos tempos do pós-Pandemia. Frei João Fernandes Reinert apresenta-nos uma reflexão sobre o binômio “missão-descentralização” no pontificado de Francisco, a partir da expressão “Igreja em saída”. Segundo o autor, esse particular da “missão-descentralização” evidencia-se sobretudo em três áreas de atuação do magistério franciscano: na moral e na doutrina; na sinodalidade; na ecologia integral.
A expressão “Povo de Deus”, gestada no contexto do Concílio Vaticano II, foi uma das que mais suscitou discussões e polêmicas, até hoje. A teóloga leiga Alzirinha Souza, no artigo intitulado A expressão “Povo de Deus” na prática de Francisco, propõe-nos uma interessante reflexão sobre a atualidade desse termo. A reflexão parte da leitura do Documento de Abu Dhabi (DAB), declaração que resultou do encontro do Papa Francisco com o grande imã de al-Azhar, em 2019. Segundo a autora, na Declaração é possível identificar “um ponto-chave que nos parece essencial como base, não somente para novas formas de relações da Fraternidade Universal, expressada posteriormente em Fratelli Tutti, mas também para expandir a compreensão da expressão Povo de Deus”.
Na Encíclica Fratelli Tutti o Papa Francisco presenteou o mundo com algumas indicações muito lúcidas e pertinentes para a construção da fraternidade como elemento imprescindível nas relações. E quando ele se refere a “relações” e “fraternidade”, não está referindo-se apenas aos seres humanos, mas a um modo de ser e se colocar no mundo que diz respeito a todas as criaturas e a todo o planeta. Escrito em plena Pandemia, a Encíclica é resultado de uma profunda reflexão sobre um mundo machucado, ferido, mas ao mesmo tempo aponta vias e percursos possíveis, prenhes de esperança, onde o amor e o cuidado aos mais fragilizados estejam no centro das atenções. É o que destaca frei James Luiz Girardi, no texto intitulado Diálogo: Caminho para construir a fraternidade e a Amizade Social, a partir da Fratelli Tutti. O diálogo, ferramenta primordial na construção da fraternidade, é uma arte e, como tal, aprende-se aos poucos, precisa de tempo para amadurecer e dar frutos.
Na parte destinada às Reflexões, trazemos um texto de Gean Carlos dos Santos, onde, alicerçado nos resultados da Conferência de Aparecida, o autor reflete sobre o tema A Igreja é nossa casa, o mundo é nossa casa comum. Uma importante contribuição catequética e litúrgica nos é oferecida, também nas Reflexões, por Guillermo Daniel Micheletti, que nos ajuda a refletir se o termo “missa” descreve com precisão o sentido da celebração eucarística.
Frei Almir Ribeiro Guimarães nos brinda, na sessão Leitura Espiritual, com uma reflexão sobre A delicada arte de inventar a vida: tentando enxergar mais adiante.
Agradecemos aos colaboradores deste número da Revista Grande Sinal, por partilharem conosco suas reflexões. Que as ideias, esperanças, angústias e perspectivas aqui condivididas, possam indicar vias e possibilidades pastorais, espirituais e práticas aos nossos queridos leitores. Que sobretudo, levem a despertar em nós a esperança que nos anima a seguir em frente, nestes tempos tão imprevisíveis, mas ao mesmo tempo tão instigantes. Boa leitura a todas e a todos.
Frei Sandro Roberto da Costa, ofm
Redator